Levei asas de anjo para nos
proteger de nós mesmas.
Ao chegar no Instituto Construir
a convite do Mailing do Bem, o cheiro da sopa já era delicioso. Voluntários
concentrados em suas funções organizavam tudo com grande maestria. Mulheres
mexiam sem cessar dois panelões de sopa reforçada com muitos legumes, fubá,
macarrão e carne moída, que provavelmente seria a única refeição do dia para
500 pessoas. Depois de conhecermos o local que alimenta moradores de rua aos
sábados e domingos, entre outros lindos projetos de recolocação social, pedi
pra mexer um pouco a sopa e falei: “já que tô aqui, vou botar
a mão na massa de verdade”. Giovanna – uma linda
voluntária de apenas 19 anos – me acompanhou e recebemos a touca. Passamos meia
hora num calor insuportável, mexendo com muita força uma sopa pesada - e eu
pensei no meu bíssepex que ia ficar “sarado” - depois desse pensamento, comecei a rezar enquanto mexia e
passei boa parte do tempo, fazendo isso. A sopa começa a ferver e é hora de
parar. Aviso um amigo que iria com a gente por whatsapp, que sairíamos em
breve.
Quando saio pelo portão, vejo um
movimento de pessoas descarregando de um carro e colocando na Kangoo do
Instituto, 180 brinquedos, trazidos por uma voluntária. Coisa linda de se ver
tanto pacote colorido. O roteiro era: primeiro levar os brinquedos e as sopas
para a rua dos Gusmões, onde tem uma ocupação com muitas crianças e depois
seguir para a Cracolândia. Até aí, ok, já fiz tanta ação na rua que pensei: vai
ser fácil e tranquilo.
Ganhamos coletes amarelos com sinalização
noturna, achei moderno. A Lys nos disse: eles nos reconhecem pelo colete. (que
máximo, pensei)
O Kangoo sai com os brinquedos –
pra voltar e pegar as sopas, porque não cabe tudo ao mesmo tempo agora - nós
saímos com o carro da Tati lotado com 50 balões coloridos. (marco do Instituto
A Nossa Jornada). A gente se desencontra, eles entregam os brinquedos e nós
voltamos para o Instituto Construir com o carro e com os balões. Hora de encher os carros com
a sopas e voltar para a rua dos Gusmões e depois para a Cracolândia. Mas antes,
hora de fazer uma oração para Jesus, e receber as instruções, que me pareceu de
guerra:
Não saiam de perto do grupo.
Não abram os vidros dos carros.
Não tirem o colete.
Não fotografem.
Na rua dos Gusmões é mais
tranquilo, mas na Cracolândia é mais pesado.
Eles não gostam de foto, estão alterados,
podem gritar e ficam nervosos.
Andem sempre com o grupo. Não se distanciem.
(essa era a regra mais batida)
Somos ao todo cerca de 20
voluntários, entre jovens, senhoras, senhores, mulheres, adolescentes e
crianças – filhos dos voluntários do Instituto Construir. As mulheres em maior
número, claro.
Dos voluntários, já estão acostumados com a ação e 10 novatos que
vieram do Instituto A Nossa Jornada e do Mailing do Bem.
Chegando na rua dos Gusmões,
tiramos os 50 balões do carro e fomos literalmente atacadas pelas crianças. Foi
até divertido. Alguns soltaram os balões, e eles se perderam no céu. Tomaram
sopa, ganharam 200 kits de higiene bucal, tiramos fotos e fomos embora.
Chegamos finalmente na tão famosa
e temida Cracolândia. Foi aterrorizante, ao mesmo tempo, que libertador. Lá vi seres humanos que perderam a guerra para o
crack. Por um segundo tive vontade de dar meia volta, no outro segundo, vontade
de ficar dentro do carro, blindado e “protegida” dos meus próprios sentimentos.
Mas desci, com o mantra: “eles respeitam os amarelinhos.” E eu estava de colete amarelo. Dei a mão para minha
escudeira, Karen. E ali ficamos, expectadoras de um filme de terror.
Pessoas na pior condição de vida que uma pessoa pode chegar. Gente virando
bicho, olhares sem alma, corpos definhando. Meninas de “família” perdendo a batalha para o crack.
Muitos vinham buscar o mini panetones que estávamos entregando, segurando o tal cachimbo que se usa para fumar. Todos muito loucos. E eu dizia: “feliz Natal, que Deus te abençoe”. Foi infinitamente mais difícil do que eu imaginava...muito mais...Nada de lindo, mas tudo tranquilo. Eu precisava passar por isso.
Muitos vinham buscar o mini panetones que estávamos entregando, segurando o tal cachimbo que se usa para fumar. Todos muito loucos. E eu dizia: “feliz Natal, que Deus te abençoe”. Foi infinitamente mais difícil do que eu imaginava...muito mais...Nada de lindo, mas tudo tranquilo. Eu precisava passar por isso.
Ter essa experiência, para entender
que as dores estão aí, que há muitos outros mundos neste mundo e reforçar o que
eu já sabia, no fundo no fundo: somos todos um! As minhas dores e problemas
saíram de lá menores do que chegaram.
É vital passar pelo que passei.
Entrem em contato com o Instituto Construir e faça desta história, a sua
história.
Meu amigo, não chegou, que pena,
para nós.